Incrível como esses modelos a la Barcelona continuam sendo usados para promover a segregação. E viva a cidade do pensamento único. Arhg!
Opinião: JB 19.03.2007
O outro lado do Pan
Miguel Baldez, professor de direito e assessor de movimentos populares
Muito clara a contradição entre a pobreza do povo e a destinação de área da Barra e adjacências aos Jogos Olímpicos e ao conseqüente apossamento da região pela indústria imobiliária e camadas economicamente privilegiadas da população.
Pois, não bastando aos fornos do capital a mercadorização das terras já apropriadas, pretende-se agora, dando seqüência ao processo desencadeado com as obras do Pan, incorporar - às custas da depredação do ambiente social - novas áreas ao projeto, certamente para o lazer de seus beneficiários ou para garantir-lhes preconceituosa limpeza visual. Contam, para tanto, com a ação integrada da União, Estado e município, sem que se possa identificar a quem cabe a parte mais perversa da tarefa, embora o município, conduzido com mão de mestre por seu prefeito, venha dando o melhor de si para arrebatar, com a competente ajuda da especulação imobiliária, o troféu da macabra e nada olímpica competição.
Assim, comunidades historicamente assentadas em áreas contíguas ou próximas da alardeada festa esportiva vêm sofrendo continuadas agressões, de variada mas pouco imaginativa violência. Terrorismo seria a expressão adequada para qualificar as ações da prefeitura. Começam por assinalar com marcas humilhantes, recuperando odiosa prática medieval, as casas destinadas à demolição. Registre-se que na Idade Média o que assustava era a peste. Hoje, no Rio e especialmente na Barra, a peste e o medo parecem estar, para certas autoridades, na pobreza. Depois dessa primeira investida, criado o pânico, os moradores são convocados ao programa da prefeitura ironicamente chamado Morar sem Risco e, lá, coagidos a aceitar, pela perda da moradia e da estabilidade da posse, pagas de pequeno valor.
Sem considerar direitos e o habitat comunitário constituídos no curso do tempo, a prefeitura do Rio de Janeiro, bem coadjuvada pela indústria imobiliária atrás de lucros, quer reservar a Barra e adjacências à vida e ao lazer dos ricos e assemelhados, imbricando-se poder público e poder econômico na mesma estratégia de exclusão social.
O descompromisso ético da prefeitura, em aliança com os governos federal e estadual, ganha cor quando se sabe que a Vila Pan-Americana inclui 17 prédios e 1.480 unidades consideradas de alto padrão, no valor de R$ 300 milhões, financiados com verbas públicas do Fundo de Amparo ao Trabalhador, FAT (dados colhidos em Crea-RJ em revista, nº 60/2006, nov.- dez.).
Usa-se a poupança do trabalhador para expulsar da terra o próprio trabalhador. É como se eles metessem o trabalhador num liquidificador ideológico para lançá-lo, depois de universalizado pela trituração, nos arrabaldes da miséria.
Encobertos pela malha protetora do Pan, prefeitura e empresas imobiliárias continuam difundindo o medo sobre aquelas inúmeras comunidades indefesas, abandonadas inclusive pelos órgãos oficiais que, institucionalmente, deveriam protegê-las, como a bem conceituada (até agora) Defensoria Pública do Rio de Janeiro, cujo comportamento hoje, nas questões de terra, mais parece de mediação dos interesses da prefeitura em face dos comunitários.
Duas exceções institucionais - apenas duas - merecem destaque: o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro, sempre empenhado no apoio ativo às comunidades sociooprimidas, e a Subprocuradoria- Geral de Direitos Humanos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, incansável na defesa conceitual e concreta da dignidade da pessoa humana neste Estado - este, aliás, o princípio fundamento e cláusula pétrea absoluta da Constituição federal.
O povo do Rio de Janeiro, especialmente as comunidades historicamente sem fala, não pode permanecer inerte diante do apartheid social imposto pela prefeitura, pois a volta à prática das remoções - proibida pela Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro (art. 429), "Constituição municipal"- a todos agride. Resistir à sanha perversa da prefeitura e da especulação imobiliária significa participar da construção da democracia neste Estado. Se deste artigo fosse possível fazer uma singela recomendação, diria: organizem-se e defendam-se, pois quanto à terra e à habitação, as comunidades pobres e subalternizadas do Rio estão sem defesa.
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